Como você conheceu na nossa série de podcast LICEU 358, Diego Mouro é artista autodidata e muralista, que vem construindo sua trajetória artística a partir dos saberes e práticas ancestrais, transformando o processo de produção artístico em parte de um ritual e busca pelo resgate do passado numa ponte para a construção de novas narrativas de futuro e ressignificação do presente. Trabalhos que perpassam as questões raciais de dor e promovem o encontro de elementos e símbolos tradicionais da cultura negra e sua relação com o Brasil, buscando assim entender como nosso regionalismo foi construído em cima de hábitos africanos e de que forma foram transformados em costumes e crenças que só existem aqui como o congado e o candomblé.
Esta semana ele nos surpreendeu ao apresentar um trabalho, ao longo de mais de 2 anos de produção, incrivelmente IMPRESSIONANTE na cidade de Vitória, no Espírito Santo. Mais precisamente na prainha de Santo Antônio, no Bairro de Santo Antônio. Região periférica da Grande Vitória, berço do samba, da capoeira, primeiro bairro da cidade. E o próprio Diego nos conta um pouco mais sobre: “No arquivo público de Vitória, encontrei relatos sobre o bairro. Ali, foi construído o primeiro aeroporto do Estado do Espírito Santo. O cais do Hidroavião. Dos primeiros visitantes que chegavam de outros estados, a visão que se tinha era essa, a da prainha. Relatos tratavam sobre as crianças que ali brincavam e olhavam curiosas pros céus a tentar entender sobre aqueles pássaros de aço que desciam em sua direção. Crianças, filhos de pescadores. Aprendizes desses saberes ancestrais. Dessa relação que se cria com o mar, com a maré. E com tudo que as águas lhes dão. Ao pensar sobre esse trabalho, só conseguia pensar nelas. Correndo pela praça, aprendizes desses tantos saberes. Seres com heranças de vivências tantas. E se a maré voltasse a ocupar esse espaço? Se ali as crianças voltassem a brincar? Se as crianças voltassem a ser o motivo pelo qual Santo Antônio é lembrado e falado, e não mais a violência pela quais ele ficou conhecido nos últimos tempos?”
Mouro nos contou ainda sobre a relação desse projeto e suas andanças pelo mundo em busca da ancestralidade: “Me lembrei de Angola, de quando estive em Sambizanga, de suas crianças, seus sorrisos. O tanto de Angola que carregamos em nosso sangue, sudestinos principalmente. Tantos nós. As tantas vivências que compartilhamos. Vasculhando minhas fotos encontrei elas, registros de cenas comuns em Angola. Tão parecidas com o que vi ali a milhares de km de distância. Uma história conectada e compartilhada em tantos pontos. Eu não lembro seus nomes, deveria! Mas agora elas estão ali, no chão de Vitória, registrando essa ancestralidade compartilhada. Esse sorriso, esse brincar, essas vivências comuns. Ali, dividindo espaço com essas crianças, filhos de pescadores. Pisando nesse mês chão que nos criou. Tão iguais”.
Veja mais trabalhos do Diego Mouro aqui.
por. tobias sklar
fotos: Straya Filmes