Depth Leviathan Dweller, um dos fundadores do culto canadense, discorre sobre fama e anonimato, black metal, skate sobre muretas, reinterpretação do espaço urbano, simbologias ocultas e modelos de shape
Por Eduardo Ribeiro
Os integrantes do Barrier Kult representam mais do que uma simples crew de skatistas, em meio às outras tantas que existem em Vancouver, Canadá. Eles são caras que, em sua maioria, estão nessa desde meados dos anos 1980 e possuem uma forte ligação com as raízes e a identidade do skate daquela época. Quando os fundadores Deer Man of Dark Woods e Depth Leviathan Dweller começaram a discutir a formação de um coletivo organizado em torno de uma militância idealista, eles chegaram à conclusão de que algumas coisas tinham perdido o brilho. Para eles, o skate havia se tornado tecnicamente repetitivo e espetacular. E algo precisava ser feito para contrapor aquela percepção.
Claro que, nas antigas, esse tipo de coisa já rolava, de certa forma, mas fato é que, na crítica deles, o sentido contracultural da parada estava sendo posto de lado. Então resolveram que, se fossem lutar pela retomada de um espírito que se perdera, o primeiro passo seria a rejeição do “eu criativo”. Isto explica a opção pelo uso de balaclavas a cobrirem os rostos nos vídeos e durante as sessions. Como obstáculo principal para as manobras, elegeram a barreira Jersey.
A ressignificação deste mobiliário urbano numa espécie de altar não é difícil de entender. Afinal, ele oferece as variações perfeitas para as tricks mais agressivas e abissais dentro da modalidade street. Nesse contexto, a trilha sonora dos chamados knife rituals não poderia ser outra senão o Black War Metal de bandas como Blasphemy, Inquisition e Sarcófago. O BA. KU. é uma experiência performática devocional espelhada no interesse pelo ocultismo e a alquimia, assim como noutras práticas ritualísticas. Sua filosofia vem da música, da cultura de rua, mas também das forças da natureza.
Mesmo com uma proposta totalmente outsider, eles já conseguiram angariar o apoio e emplacar produtos assinados junto de marcas como a Emerica, a Skull Skates e a Heroin Skateboards. Conversamos com o integrante Depth Leviathan Dweller sobre questões referentes à trajetória, ideias e simbologia do coletivo, entre outras fitas. Em tempo, antes que o leitor estranhe, a caixa alta nas respostas foi colocada por exigência do entrevistado – este é mais um elemento inerente aos conceitos do BA. KU.. Se liga aí:
Vocês se conhecem e andam de skate juntos já há bastante tempo, mesmo antes de começarem com o Barrier Kult?
DEPTH LEVIATHAN DWELLER: EU COMECEI A ANDAR DE SKATE EM MEADOS DE 1983. DEER MAN OF DARK WOODS, UM ANO DEPOIS. A MAIORIA DOS MEMBROS DO BARRIER KULT ANDAM DE SKATE HÁ MAIS DE 20 ANOS. FINGER POINTING TO OBLIVION ANDA DESDE A SEGUNDA METADE DOS ANOS 70. EU, O VLAD MOUNTAIN IMPALER, O DEER MAN OF DARK WOODS E O BLACK GLOVE OF INTERNAL COMBUSTION JÁ ÉRAMOS ALIADOS ANTES DE ESTABELECERMOS O CULTO.
Qual é o jeito certo de se referir ao BA. KU.? É um coletivo, um movimento, um ato performático?
UMA IDEIA E UM MOVIMENTO. MUITOS TÊM SE REFERIDO A NÓS COMO UMA IDEOLOGIA CONCEITUAL. NOSSAS AÇÕES – ADORAÇÃO MILITANTE ÀS TRANSIÇÕES VIOLENTAS; A BARREIRA DE JERSEY SENDO O NOSSO ALTAR REPRESENTATIVO E COSTUMEIRO OBSTÁCULO À PRÁTICA DO KNIFING [ATO DE ANDAR DE SKATE NUMA BARREIRA].
A cultura do skate sempre caminhou em paralelo à música, com raízes no classic rock, no punk/hc, no hip hop e no metal. Mas no caso de vocês, o negócio foi para o lado extremo do metal, que é o black metal, certo? Por que essa pira?
EM VANCOUVER, BC, O BLACK WAR METAL DIVIDIU PALCO COM O PUNK/HARDCORE E O SPEED METAL. AS RAÍZES DO METAL EXTREMO NO LESTE DE VANCOUVER FORAM FIRMADAS JUNTO AOS SKATISTAS DA CENA HARDCORE – SENDO PRECISO, A EQUIPE DE VANCOUVER DA JAK’S SKATE TEAM, SKULL SKATES E TAL. LOGO – NÃO CHEGA A SURPREENDER QUE O BARRIER KULT SEJA DIRETAMENTE INFLUENCIADO POR AQUELA ÉPOCA E O NOSSO GOSTO MUSICAL DO PASSADO. A ESTRUTURA DOS IDEAIS DO BLACK WAR METAL, SUA MILITÂNCIA E DEDICAÇÃO AO CULTO E PRÁTICA DA MÚSICA É UMA INFLUÊNCIA PRIMORDIAL PARA A ESTRUTURA DOS IDEIAIS DO BARRIER KULT – UM GUIA CUJA ORIENTAÇÃO REMONTA À DEDICAÇÃO AO CULTO DAS TRANSIÇÕES VIOLENTAS / AS BARREIRAS COMO ALTARES. O BARRIER KULT FIGURA APENAS ÀS SOMBRAS DA VERDADEIRA NATUREZA DO BLACK WAR METAL, BANDAS COMO BLASPHEMY, BLACK WITCHERY, BEHERIT, SARCÓFAGO, INQUISITION, IMPIETY, GOAT PENIS, ETC.
Vocês são satanistas de verdade, ou só curtem o som e a estética?
NÃO POSSO FALAR DIRETAMENTE EM NOME DE TODOS DO CULTO JÁ QUE CADA UM DELES TÊM LÁ SUAS SUTÍS INCLINAÇÕES DENTRO DA ESTRUTURA DE SEUS CREDOS, MAS EU E DMODW SOMOS ORIENTADOS PELOS VICIOSOS CIRCULOS DE VIOLÊNCIA DA NATUREZA, O HOMEM SUPLICANDO AOS PÉS DA NATUREZA MANIFESTANDO A SUA IRA. TODO SER CRIATIVO E QUALQUER RESQUÍCIO DO EGO ESTÃO SUJEITOS À TORTURA DA VIOLÊNCIA DEGENERATIVA DO LADO NEGRO DA NATUREZA. O GRANDE DEUS EU. SUCUMBINDO DIANTE DA ESCURIDÃO DA FLORESTA – “AS ABOMINAÇÕES DE YONDO”. TENTANDO ENCARAR A SUPERFÍCIE DO OCEANO A PARTIR DAS PROFUNDEZAS, TENTANDO AGARRAR-SE A QUAISQUER RESQUÍCIOS DE LUZ SOBRE AS ONDAS – “POSEIDONIS”. DMODW VIVE ESSES IDEAIS EM SEU DIA A DIA. EU VIVO ESSES IDEAIS CONFINADO EM GAIOLAS DE TUBARÃO.
Poderia discorrer sobre a escolha e o significado por trás dos principais símbolos e ícones que vocês usam? Tipo as máscaras, o pentagrama com o bode, as adagas…
LEVIATHAN NO TRONO DA BARREIRA. O LOGO PRINCIPAL.
A BARREIRA COMO ALTAR. O ASSÍRIO-BABILÔNICO DO MAL E DA DESGRAÇA. O LOGO SECUNDÁRIO.
ERGUER A CLAVA DA PRAGA. LEVANTANDO O INSTRUMENTO DE ATAQUE [KNIFING].
AS MÁSCARAS – ANONIMATO, MARTÍRIO E SERVIDÃO AO MOVIMENTO E IDEOLOGIA DO CULTO E DISSEMINAÇÃO DA PRAGA. O “EU CRIATIVO” NÃO TEM IMPORTÂNCIA.
O PENTAGRAMA / BODE. MANTER-SE ALINHADO COM A MILITÂNCIA E AS PRÁTICAS DE CULTO DO BLACK WAR METAL, O OCULTO, A MILITÂNCIA POR UMA ESTRUTURA DE CREDOS.
A ADAGA. BAIONETA DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. REFERÊNCIA AO CERIMONIAL OCULTO DE PUNHAIS ATHAME. A FACA RESOLZA [PATTADA] – A EXTENSÃO DO BRAÇO HUMANO.
Os chamados “knife rituals” são uma alusão a algum tipo de ato teatral que vocês realmente praticam, além de andar de skate?
AO ANDAR DE SKATE NUMA BARREIRA DE TRILHO / DE ESTRADA / OU JERSEY DURANTE OS RITUAIS, OS SKATES VIRTUALMENTE RASPAM AS CURTAS TRANSIÇÕES ANTES DE CHEGAREM AO SEU TOPO – “ESFAQUEANDO” A BARREIRA. QUANDO OS TRUCKS OU O TAIL DESLIZAM PELA BARREIRA – DIZEMOS QUE ELA ESTÁ SENDO APUNHALADA [“KNIFING”]. TAMBÉM EXISTE OUTRA REFERÊNCIA À LÂMINA, QUANDO OS INTEGRANTES USAM SHAPES POPSICLE. POR CONTA DO FORMATO DE BARBEADOR DO NOSE, DIZEMOS QUE ESTAMOS “NAVALHANDO A PEDRA”.
Esse lance de explorar as possibilidades das manobras em barreiras, transições de concreto, é um jeito que vocês encontraram para criticar ou confrontar a atmosfera espetacular que a cultura do skate, uma coisa que nasceu na marginalidade, acabou assumindo? Por que recusar os elementos urbanos mais recorrentes do street e usar precisamente a barreira?
O RITUAL DE PRÁTICA NAS CURTAS TRANSIÇÕES TEM A VER COM A DEVOÇÃO AOS ASPECTOS DIRETAMENTE LIGADOS AOS BANKS OBSCUROS DO ASFALTO, A CULTURA DAS ESTRUTURAS DE VALAS E DECLIVES – PRÁTICAS DO SKATE NAS QUAIS TODOS OS MEMBROS DO BARRIER KULT PIRAM VEEMENTEMENTE. AS BARREIRAS DE ESTRADA SURGEM COMO UM ALTAR REPRESENTATIVO DA NOSSA FIDELIDADE À CURTA TRANSIÇÃO – ASSUMINDO UMA TOTÊMICA E ACESSÍVEL SIMBOLOGIA. NÃO DAMOS A MÍNIMA PARA PRÁTICAS COMO A MEGA RAMPA. NOSSA INFLUÊNCIA VEM DA PROFUNDA E FETICHISTA REPRESENTAÇÃO OITENTISTA DOS PICOS OBSCUROS DAS RUAS, TIPO BANKS, E DOS MOVIMENTOS ELÍPTICOS INSPIRADOS EM RAMPAS VERTICAIS. O BARRIER KULT VISA DAR CONTINUIDADE A ESTA OBSESSIVA TRADIÇÃO LUTANDO PARA ESPALHAR A PRAGA DO RITUAL DE DEDICAÇÃO AO SKATE EM BARREIRAS.
Com que marcas vocês já firmaram parceria?
CONTINUAMOS TRABALHANDO COM A SKULL SKATES, HEROIN SKATEBOARDS, EMERICA SHOES, GULLWING TRUCKS E ULTIMATE DISTRIBUTION.
As marcas é que vão atrás de vocês?
ALGUNS DOS ESQUEMAS ROLARAM NATURALMENTE NA MEDIDA EM QUE A GENTE FOI SE DESTACANDO NOS ROLÊS POR AÍ OU ACABAMOS TENDO ALGUM CANAL DE ENVOLVIMENTO COM AS MARCAS, MAS EM DETERMINADOS CASOS AS MARCAS NOS PROCURARAM DIRETAMENTE. NO CASO DA SKULL SKATES, EU TRABALHO JÁ HÁ ANOS COM ELES, ENTÃO A PARADA ACONTECEU A PARTIR DA MINHA RELAÇÃO COM O FUNDADOR / PROPRIETÁRIO.
E o lance da Emerica, da Bones, e as outras marcas, eles conheceram as ideias do BA. KU. e se identificaram?
O DMODW JÁ TINHA O PATROCÍNIO DA SHEEP SHOES – AÍ DE TABELA A EMERICA QUIS FECHAR COM A FORMAÇÃO OFICIAL DO BARRIER KULT, FOI ASSIM QUE O NEGÓCIO VIROU. A PARCERIA COM A HEROIN SKATEBOARDS FOI DISCUTIDA DEPOIS QUE FOMOS PROCURADOS, ANOS ATRÁS, POR UM DOS CINEGRAFISTAS DA HEROIN – ALAN GLASS – INTERESSADO EM CAPTURAR A NOSSA DEDICAÇÃO AO BLACK WAR METAL. JÁ NO CASO DA GULLWING TRUCKS TUDO ACONTECEU POR INTERMÉDIO DE UM ATLETA DELES DE SAN DIEGO, QUE ACABOU ATÉ VIRANDO UM MEMBRO DO BARRIER KULT. MUITAS PARCERIAS VIERAM DE CONEXÕES QUE JÁ TRAZEMOS DO NOSSO PASSADO COMO ATLETAS PATROCINADOS NO CENÁRIO CANADENSE DO SKATE, ENQUANTO OUTRAS COLABORAÇÕES E PROJETOS SURGEM PELA DISSEMINAÇÃO DO BARRIER KULT POR AÍ.
Aquele chapter europeu do BA. KU., na Itália, passou pela aprovação de vocês? Existe um contato direto entre a galera que vem praticando os knife rituals mundo afora?
A DESPEITO DE QUE ESSES CHAPTERS NÃO TENHAM SIDO CONDECORADOS COM O TÍTULO OFICIAL DE MEMBROS, NÓS APRECIAMOS A DISSEMINAÇÃO DAS IDEOLOGIAS E DA PRAGA DO BA. KU. JÁ OUVIMOS FALAR DE CHAPTERS NA HOLANDA, NO REINO UNIDO, NA ESPANHA, ALEMANHA, SINGAPURA E JAPÃO.
Vocês enxergam a prática do skate como uma atitude política, tendo ele nascido com o espírito de confronto ao tédio e ao ambiente urbano?
ESTAMOS FARTOS DAQUELE ARGUMENTO PREGANDO QUE “O SKATISTA É UM ARTISTA INTERPRETANDO O AMBIENTE E O ESPAÇO URBANO DE UM MODO DIFERENTE DO CIDADÃO COMUM”. QUANTO MAIS VOCÊ SE EDUCA A RESPEITO DAS INSTALAÇÕES, AMBIENTES E ARQUITETURA DE ARTISTAS INTÉRPRETES DA AURA URBANA, COMO RICHARD SERRA, RICHARD LONG, GEORGE TRAKAS, CHRIS BURDEN, MICHAEL HEIZER, ETC., VOCÊ DESCOBRE VIOLENTAMENTE QUE OS SKATISTAS ESTÃO ATRASADOS NA REINTERPRETAÇÃO DO ESPAÇO URBANO. OS ARTISTAS MENCIONADOS NÃO USARAM SKATES, MAS USARAM AÇO, PÁS, PICARETAS, ASFALTO, ETC.
O BARRIER KULT VISA DAR CONTINUIDADE A ESTA OBSESSIVA TRADIÇÃO LUTANDO PARA ESPALHAR A PRAGA DO RITUAL DE DEDICAÇÃO AO SKATE EM BARREIRAS.
Tem algum tipo de deck que vocês preferem usar quando saem pras sessions? Vocês curtem os shapes modernos ou acham que os formatos dos anos 1980 nunca deveriam ter saído de moda?
ALGUNS DOS INTEGRANTES DO BARRIER KULT COMO VERTICAL CLIFFS OF EASTERN SHORES, BEAST OF GEVAUDAN, LUTHER MOSS-COVERED WITCHMAKER CANDLEMAS, USAM DECKS NO FORMATO POPSICLE. DMODW GERALMENTE USA AQUELES DECKS NA LINHA DA ENTRESAFRA DO FINAL DOS ANOS 1980 / COMEÇO DOS 90, QUE SÃO UMA MESCLA ENTRE O SHAPE DE PRANCHA E O POPSICLE. O POPSICLE E OS SHAPES HÍBRIDOS SÃO MELHORES PARA A NOSSA PRÁTICA MALDITA – A DISSEMINAÇÃO DA PRAGA SOBRE AS MASSAS SEDENTAS PELO ALCANCE DA CONCILIAÇÃO. A PREFERÊNCIA PRIMORDIAL DO BARRIER KULT É PELOS SHAPES À MODA DO COMEÇO ATÉ A METADE DOS ANOS 1980 [PIG SHAPE]. A ONDA DO SKATE DO BARRIER KULT, SUA FISSURA PELA DEVOÇÃO À CURTA TRANSIÇÃO E AOS RITUAIS DO COMEÇO DOS ANOS 80 CONSISTEM EM MANOBRAS COMO – O TAILBLOCK, O SMITH-STOP, O LAP-OVER GRIND, O SWEEPER, O HACKETT SLASH E O 50/50 STALL. TODOS OS MEMBROS TÊM SEUS PRÓPRIOS EXEMPLOS DE MANOBRAS PRÓPRIAS AO PIG SHAPE DE MEADOS DOS ANOS 80, MAS MUSKELLUNGE OF DARK ISLAND E EU PRATICAMOS ESSAS TODAS METODICAMENTE.
Acompanhe a disseminação da praga do BA. KU. em seu blog oficial: thebarrierkult.blogspot.com.
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PORTFÓLIO: https://eduardoribeiro.journoportfolio.com/
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CRÉDITOS:
Texto: Eduardo Ribeiro – @k.t1t0
Fotos: Fotos de divulgação extraídas do livro “BA. KU.: Kult Skating/Dark Rituals” (Anthony Tafuro/powerHouse Books)