“QUERO UM SKATE COM UM DRAGÃO!”

Eu tinha uns 8 anos de idade quando meus pais me levaram, junto com meu irmão Gabitto, pra uma exposição no MEC (Ministério da Educação e Cultura), no Palácio Capanema, no Centro do Rio, uma obra de arquitetos como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, dentre outros, do final dos anos 1940. Dos janelões do 2º andar, vi uma cena que me hipnotizou: um grupo andando de skate no pátio do térreo. Naquele momento, ainda não sabia, mas estavam fazendo freestyle. É a lembrança que tenho do meu primeiro contato ao vivo com algo que mudaria minha vida.

Pouco antes disso, aos 7 anos, assisti "De Volta para o Futuro". Aquela clássica cena do Marty McFly de skate, pegando carona agarrado em um carro, foi inesquecível pra mim e pra muitas crianças da minha geração. Aquilo não saiu da minha cabeça! O que me fez pouco tempo depois pedir um skate de natal pra minha avó materna, Marina. Tio Chico, meu padrinho, que ia pro Paraguai pra trazer umas muambas pra vender, iria comprar meu presente na viagem. Até hoje me lembro do meu pedido categórico: “Quero um skate com um dragão!”. Sonhava com um skate com aqueles desenhos bem agressivos, de preferência um preto com o tal dragão diabólico, cuspindo fogo, rodas rosa-choque ou verde neon bem na paleta e a estética da Powell Peralta.

A espera foi longa. Quando ele voltou de viagem, escondeu meu presente até o Natal mas confirmou que meu skate tinha um dragão sim! Enfim chegou o tão esperado dia e, pra minha surpresa/frustração, ao desembrulhar o presente descobri que se tratava de um skate branco. Pra piorar, com o desenho de um bicho esquisito que mais parecia uma lagartixa rosa, com direito a mullet loiro, óculos escuros, surfando de chinelo num skatinho todo torto… E ainda tinha mais: o desenho se repetia também na parte superior do shape, onde vai a lixa. Que derrota! Foi exatamente o que senti naquele dia… Inclusive, por um tempo cheguei a cogitar chamar esse livro de “Que derrota!”, mas acabei abandonando a ideia. Apesar de saber que o ser humano gosta de um título polêmico, e que iria atrair curiosos, preferi espantar pra lá essa frequência de mau agouro!

Absolutamente desolado com meu skate branco de lagartixa rosa, ficava imaginando como seria chegar num lugar em que todo mundo portasse shapes com dragões, caveiras com cobras saindo da boca e monstros gosmentos com os olhos saltando pra fora da cara, e eu com o meu… Decidi cobrir toda parte de baixo com adesivos, mas por algum motivo lembro que acabei deixando a lagartixa rosa da parte de cima. Logo a que eu mais via, vai entender, ficou intacta. Quando percebi, já tinha me afeiçoado à tal criatura esquisita. Curioso que há pouco tempo dois amigos, o Felipe “Flip” Yung e Torelly, viram uma foto do gráfico original do shape e os dois falaram: "Isso é um canguru!". O pior é que faz sentido mesmo ser um canguru mal-feito. Mas como desde a primeira vez que bati o olho vi uma Lagartixa Rosa, pra mim segue sendo até hoje!

Pode até soar como positivismo barato, mas aquele personagem estranho estampado no meu primeiríssimo skate, de certa forma, me ensinou desde moleque a não levar as coisas, nem a mim mesmo, tão a sério. Não seria um dragão macabro que me faria ser bem aceito. Me virei com o que tinha, e achar graça daquela situação acabou sendo uma lição pra vida.

A grande ironia do destino é que, apesar de admirar até hoje a estética que predominava no skate dos anos 1980, parece que foi justamente a tal “Lagartixa Rosa” que anunciou meu caminho gráfico como designer e ilustrador, já dialogando com o tom descontraído e bem-humorado do meu trabalho e da minha personalidade.

MOTTILAA

Felipe Motta aka MOTTILAA, artista gráfico carioca da escola de 78 e skatista desde os 10 anos de idade, tem seu trabalho enraizado na cultura de rua, principalmente no skate. Ao longo de sua trajetória profissional, além de apresentar sua arte em exposições e painéis em ambientes interiores e exteriores, já desenvolveu dezenas de projetos para o mercado de skate, para grandes nomes da música, principalmente do Rap, e para agências e empresas ao redor do mundo.

Desde 2006, MOTTILAA divide seu tempo entre trabalhos autorais de arte e projetos de design do Petit Pois Studio, onde é sócio da esposa, a designer Marianna Cersosimo. Juntos, desenvolvem projetos exclusivos para marcas, artistas e bandas nacionais e internacionais.

FOTO: FERNANDO MENEZES JR.

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