Por Filipe Maia
Está fazendo um ano desde que rolaram as Olimpíadas de Tokyo, no Japão, em 2021. Essa foi a primeira em que o skate esteve presente e, de lá pra cá, a gente pode ver o impacto que essa aparição teve no desenvolvimento da atividade no Brasil.
Ao mesmo tempo, algumas mudanças do skate core também começaram a serem vistas, integrando ideias e pessoas novas, moldando um futuro mais plural para uma atividade que distanciava teoria e prática dos ideais mais corriqueiros. Para explicar melhor, a gente vai entrar nos detalhes dessa reflexão e avaliar se o que tem acontecido com o skate é algo passageiro ou se são mudanças que vieram para ficar.
Impacto olímpico
As Olimpíadas de 2020, realizadas no ano seguinte e anterior a esse de hoje, trouxeram uma visibilidade jamais vista pro skate. Se já havia um processo de descriminalização e de integração do skate à parte mais “esportiva”, os jogos Olímpicos só serviram pra fazer isso acontecer de vez.
Muito mais gente ficou adepta à prática e, principalmente, com o efeito Rayssa Leal, as crianças foram mais induzidas e incentivadas ao ato de andar de skate, seja por vontade própria ou por pressão de pais e responsáveis. Não se engane, sempre existe uma veia “oportunista” em novos esportes que estão na moda, foi assim com o tênis e o Gustavo Kuerten, é assim com o futebol, tem sido assim com o basquete e por aí vai.
Nos meses pós-olímpicos, mais pessoas foram atrás de aulas para si e para seus filhos e a prática skatística ficou mais leve nos centros urbanos. Não chegamos a ter uma total compreensão, porém a recepção tem sido mais fácil. Meses depois, talvez a chama esteja mais fraca, mas é normal, já que andar de skate é uma atividade bem difícil, que requer dedicação e tempo.
E é válido também avaliar que aquele medo de que o skate core seria impactado negativamente talvez não tenha surtido tanto efeito assim. Ainda existe bastante espaço e incentivo para projetos mais artísticos e pessoais do skate sem, necessariamente, levar em conta a performance esportiva da parada. Ainda bem.
Mais mulheres à frente de tudo
A gente tem visto uma maior participação de mulheres à frente de várias pontas do skate, não só andando e manobrando. Tem mais mulheres fotografando, filmando, fazendo seus projetos, mais crews, mais marcas comandadas por elas e tudo isso com mais leveza e abertura do mercado.
Não, ainda não estamos perto do que é ideal, ainda não temos uma igualdade de números, não temos ainda uma igualdade salarial, mas é importante que mais mulheres estejam presentes nos núcleos inseridos no skate. Sua participação é importante para quebrar tabus, rever conceitos e normalizar um monte de coisa que acontece no skate há tempos. Mas mais importante que a participação e presença, é a liderança dessas mulheres em um novo momento do skate que anseia por igualdade.
É muito legal, por exemplo, ter mais participantes mulheres em um Desafio de Rua, podendo ter um espaço de convivência igual (ou pelo menos a tentativa disso) a dos homens, sem assédios de qualquer tipo. Claro que quem vai poder dizer se essas experiências estão dando certo são apenas as mulheres envolvidas, porém é interessante ver que esse passo para uma convivência normal foi dado.
Maior presença e apoio às comunidades LGBTQIA+ do skate
Esse talvez seja o ponto mais sensível desse artigo, porque da mesma forma que existe realmente o que o subtítulo propõe, na realidade ainda precisamos dar passos largos para que as pessoas se sintam confortáveis nas sessões de skate.
Mais crews e skatistas estão podendo ser quem realmente são, sem precisar esconder-se atrás de estereótipos criados para maquiar uma comunidade frágil, como era anos atrás. Era impensável e impraticável, por exemplo, há alguns anos um skatista homossexual andar com tranquilidade no Vale do Anhangabaú em São Paulo. Hoje, no mesmo local, a gente pode ver em 2022 um evento totalmente voltado para o público LGBTQIA+ e isso foi de extrema importância.
De fato as coisas têm progredido e a presença de pessoas dessas comunidades tem sido bem maior, não só nas crews que levam essa sigla consigo, mas em outras que se fundem ao imaginário core do skate. Existe também mais diálogo entre as mentes pensantes e, consequentemente, mais espaço para que não só serem ouvidos, mas para serem protagonistas de histórias.
Mercado core em fase esquisita
O skate está em alta, mais gente está andando, logo o mercado core de peças está cada vez mais forte, certo? Errado. Em uma fase esquisita em que os preços estão nas alturas e as marcas que fazem um trabalho legal estão cada vez mais difíceis de achar, a gente se encontra vendido para o mercado norte-americano.
Enquanto um shape de maple importado, de qualquer marca do Tio Sam, está em uma faixa de preço cara, o brasileiro também não fica muito atrás, fazendo com que seja difícil escolher entre um marketing americano ostensivo ou peças de marcas que mal conhecemos por aqui.
O impacto sócio-econômico governamental também é visto nesse tópico, uma vez que, se a importação está cara, a fabricação nacional também não é incentivada. A gente pode até ver novas marcas surgindo, produtos diferentes nas skateshops, porém é difícil manter-se no mercado, fazer times, vídeos e tudo mais que já vimos acontecer bastante por aqui em décadas anteriores. Consegue lembrar de 5 marcas core com times, salários e peças boas?
Não me entenda mal, essas marcas existem e fazem trabalhos, mas é uma matemática que não fecha, pensando que o skate está no seu momento mais em alta. Quem está ganhando dinheiro com skate vivendo de skate no mercado core?
Mercado não-core mais presente
Em contrapartida ao tópico anterior, outro tipo de mercado está mais atuante no skate: o que não é de skate. Então não é difícil achar marcas de qualquer segmento colocando dinheiro em skatistas (principalmente aqueles e aquelas que estão no topo, porque as marcas buscam mais visibilidade e não estão interessadas em apoiar a base) e fazendo suas propagandas em cima.
Essas marcas não necessariamente fazem trabalhos que impactam o mercado de skate por completo, mas assumem uma lacuna financeira que muitas vezes falta aos skatistas que estão tentando viver do skate. Enquanto as marcas core, por muitas vezes, só dão peças e ajudas de custo aos seus skatistas, essas não-do-skate possibilitam (quando o contrato é feito de maneira inteligente) skatistas a viverem sonhos maiores e poderem somente andar.
É preciso olhar pra isso sem a emoção do “skate que se vendeu” ou do lugar comum que “isso não pertence ao skate”, o que é bem difícil pra nós que somos malucos pela parada, mas talvez sem elas, a gente também não estaria conseguindo botar essa matéria no ar para refletirmos sobre essas mudanças.
Mídias fortes na internet
Ok, todo mundo está na internet, mas parece que as mídias realmente entenderam que se não tiverem uma presença forte online, estão perdidas. Se antes a gente vivia uma transição entre o fim do impresso e o que iríamos fazer, hoje a gente sabe que é força total online.
O impresso morreu? Sim, não, ou virou peça de colecionador? Nada disso é uma resposta concreta, mas fato é que não dá mais pra imprimir revistas periodicamente como antes, quando nem tinha celular com touch e internet na rua (é sempre legal lembrar isso, para evitar comparações incabíveis).
Hoje, as redes sociais fazem o papel corriqueiro de notícias e também abrem espaço para trabalhos audiovisuais mais elaboradores, além somente do texto e da foto. Também é preciso falar da facilidade que é ter um celular na mão e acesso à internet, possibilitando que seu conteúdo, seja você quem for, chegue pra uma penca de pessoas em questão de segundos.
Se antes as mídias lutavam por um lugar mais conservador, hoje é impossível existir sem o online. Um único ponto que me pega, e aí trago totalmente para uma opinião pessoal, é a falta de pessoas mais jovens nas mídias de skate, o que distancia o público e até mesmo dificulta o acesso à novas plataformas que a molecada consome.
Por outro lado, essa falta de espaço para os mais jovens na mídia se encontra em sua própria força do it yourself e não é difícil ver canais de garotos terem mais força e alcance que mídias que existem no skate há mais de décadas.
De fato é um tempo em que profissionais do skate já não estão mais, em sua maioria, tentando se adaptar. Mas é sempre válido ressaltar que, idealisticamente, seria importantíssimo que fotógrafos, videomakers e profissionais do mercado do skate fossem melhores remunerados.
Como está no dia a dia das sessões?
Como dissemos anteriormente, muita coisa progrediu nas sessões e mais pessoas estão andando de skate. Mais mulheres, mais crianças, mais trans, mais gays, mais lésbicas etc. Mas ainda sim, existem conflitos e discussões frequentes acerca do uso do espaço e “ismos”, velados e não-velados, no cotidiano de skatistas no Brasil todo.
Interessante é avaliar que estamos no meio dessa transição (que talvez nunca fique cem por cento concreta e positiva para todo mundo) e que essas novas e progressistas mentalidades acontecem tanto no nosso micro universo do skate quanto na sociedade em geral. Portanto os mesmos conflitos de fora podem ser vistos aqui dentro, afinal, somos uma somatória de todas as nossas influências, sejam elas do skate ou não.
Um outro ponto interessante foi pensar que, mesmo com o mercado core em baixa, skatistas têm usado peças melhores do que anteriormente. Todo mundo hoje tem acesso a shapes de maple, trucks que não espanam e rodas que não enquadram. Uns mais, outros menos, mas é mais fácil ver um shape maple hoje em dia do que no passado.
Isso também influencia no alto nível de skate que temos visto, uma vez que com peças boas, a performance também é positiva e mais skatistas estão tendo seu lugar ao sol. Tudo bem que skatistas brasileiros sempre se destacaram internacionalmente, seja com marfim ou com maple, mas com uma enxada melhor, a gente carpina o lote mais rápido, né?
Hoje também tem mais espaços de prática, isso por influência das Olimpíadas, que fizeram políticos e entidades governamentais terem olhos mais positivos para a construção de pistas de skate espalhadas pelo país. Mesmo assim, skatistas ainda tomam as ruas para fazerem suas carreiras e andarem onde bem entenderem, o que é muito positivo para a cultura também.
Como fica daqui pra frente?
Nessa última parte, mais “mãe Diná” e mais incerta, a avaliação por nossa parte é mais positiva do que negativa, uma vez que mais pessoas estão praticando o carrinho e vão se tornar melhores e poderão viver do que gostam. É sempre positivo quando alguém faz o que ama.
Vai existir também uma maior “esportivização” do skate, já que agora a modalidade Olímpica veio pra ficar e a gente ainda nem ganhou um ouro na parada. Era natural que isso acontecesse e é mais natural ainda que isso vire rotina, gostando os mais core ou não.
Para o mercado, é hora de olhar pra dentro e tentar entender o porquê das coisas serem mais difíceis pra quem tenta viver somente de skate. Talvez uma nova safra de jovens profissionais no mercado seja a solução para novas ideias e novos caminhos? Talvez esforços mais assertivos na hora de fazer negócios? Talvez uma maior colaboração com marcas de fora do skate para chegar em mais pessoas? Talvez tudo isso sim, e é exatamente agora que precisamos fazer essa avaliação para que nós, que temos o lugar de fala quando o assunto é skate, continuemos sendo protagonistas das nossas histórias.
No dia a dia de skatistas, existirão debates importantes sobre mais pessoas diferentes andando de skate, não somente héteros cisgêneros. É um momento de (pelo menos tentar) abrir a cabeça para que o skate seja mais na prática o que se prega em teoria, ou seja, um espaço para todos e todas e todes, sem discriminação, que seja acolhedor o suficiente para que o skate seja divertido para qualquer pessoa que o quiser praticar.
As marcas de fora precisarão entender que, quanto mais skatistas estiverem à frente de suas publicidades de skate, mais assertivas serão. Skatistas, por sua vez, tem que entender que, se existe esse apelo, então é hora de ganhar dinheiro e não ter sua troca por produtos dessas marcas que estão chegando de fora.
No fim, tá tudo bem, o skate tem um puta espaço maior dentro da sociedade e, se você é saudosista e sente falta de épocas anteriores, tá tudo bem também. Mas tente falar com uma pessoa diferente de você, seja de realidade, jeito ou escolhas, e procure ver que talvez o que era bom pra você antigamente, era ruim pra ela e a impossibilitava de andar de skate e ser feliz como você sempre foi.