Por Filipe Maia
Fotos perto do assunto, câmeras chutadas e valorização do estilo têm chamado atenção de quem busca por fotos de skate no Instagram, e o Matt Price sabe bem disso.
O uso das lentes fisheye não é uma novidade no skate e desde os primórdios da fotografia skatística, essas fotos de bordas alongadas sempre existiram. Não dá pra saber, porém, quem é o precursor disso, mas fato é que desde os tempos de Dogtown existam fotos assim.
Décadas se passaram, muita gente usou a lente para fotografar e, quando os vídeos começaram a ser mais populares, usar uma fisheye ficou ainda mais comum porque o skate em movimento era melhor capturado por elas. De fato a lente ficou popular pelos vídeos, mas na fotografia ela não deixou de ser usada, por mais que outras tendências foram ficando mais presentes na cena.
Mas falar em foto é falar também na plataforma onde elas são veiculadas. Por muito tempo a gente as viam nas revistas, mas depois, com a internet, as revistas passaram a existir em menor número e as redes sociais foram ganhando um mega espaço para fotografias e vídeos. O Instagram hoje é a maior delas e, mesmo com seus esforços voltados bastante para o ato em movimento, as fotos de skate tem tido um certo revival, principalmente quando o assunto é fisheye.
A gente foi atrás do cara que é, sem dúvidas, um dos maiores responsáveis por essa revalorização desse tipo de foto, o fotógrafo norte-americano Matt Price, que com suas lentes bem perto das caras, tênis e mãos, têm feito foto de skate ser legal numa plataforma em que o vídeo toma conta!
O Matt trampa pra CCS e as fotografias dele podem ser vistas em diversas marcas e mídias do mundo todo. Então papo foi sobre foto, impresso, lentes perto do assunto e muito mais. Leia na íntegra:
Este é o Matt, numa foto da companheira dele, a Suzy Bao.
E aí Matt, tudo bem? Fala um pouco de você pra gente.
Eu sou o Matt Price, tenho fotografado fotos de skate por quase 20 anos. Trabalhei na Skateboard Mag por 8 anos, fui editor e fotógrafo. Agora eu sou brand director e faço o marketing para a CCS e faço fotos para eles também. Mais recentemente fiz coisas com a Last Resort, a marca de tênis do Pontus Alv e para a Polar. Hoje em dia pego trabalhos paralelos às vezes… Acho que eu faço bastante foto fisheye!
Então vamos falar sobre elas! Parece que, de certa forma, nos últimos anos, existe uma volta desse tipo de foto, especialmente no Instagram. Como você vê isso?
Acho que as pessoas nunca pararam de tirar fotos fisheye, mas ultimamente elas tem ficado mais perto, as fotos parecem mais com olhos de peixe de verdade. Quando você fica mais perto com a fisheye, tudo fica mais distorcido, cada borda fica mais distorcida. Então cada milímetro que você chega perto, fica mais óbvio que é uma fisheye. Às vezes você tira uma foto de fish tão longe que você nem percebe que é essa lente.
Eu vejo bem mais esse tipo de foto agora sim. É engraçado porque uma das razões que comecei a tirar mais essas fotos é parcialmente por causa do Instagram porque você tem pouco espaço, um espacinho para a sua foto… Se a foto já é pequena e o skatista ficar bem pequenininho nela, então qual é o sentido? Me sinto mal pelos fotógrafos que tiram fotos lindas de paisagem, tipo o Cameron Strand, que é foda e tira umas fotonas de paisagem com skate no meio, no print fica lindo, mas no Instagram eu me sinto mal por isso, porque o formato não é para esse tipo de trabalho! A plataforma não faz justiça quando o skatista fica pequeno na foto.
Eu sempre amei fotos fisheye, mas isso me ajudou a pensar em deixar o skatista maior possível na foto para caber na foto. Muitas vezes eu tiro pensando já direto pro Instagram, mas pensando até mesmo nessa lógica que estou falando, a revista não é tão grande assim, certo? Você quer que o skatista seja grande para preencher a página toda.
Eu tenho retreinado meu cérebro para tentar imaginar como as pessoas vão olhar para aquilo, sabe? Eu acho muito da hora quando você vê a imagem grande na sua cara, eu gosto de cores, blurs, essas coisas pegam minha atenção. Eu não tiro foto pensando na plataforma, mas tenho tentado entender o espaço que tem uma foto.
E pensando em skate, a gente tem voltado para um lugar onde o maior não é sempre o melhor, dando mais espaço para o estilo, para a forma… Sempre penso em uma parte bem legal da manobra, se o pé de trás está legal dando aquela manobra, então eu foco nisso, tento fazer uma foto baseada no pé de trás, focando na parte mais instigante e não me preocupando tanto em contar uma história, sabe? Claro que existem as regras tradicionais do skate de “ele deu o pop aqui, deu o grind aqui e voltou lá” para a gente entender o que aconteceu. Mas quando alguém deu um slappy numa borda, você sabe o que aconteceu, não precisa ver o começo do fim, sabe? Você sabe o que a pessoa fez!
Não chega a ser uma escada de 13 degraus, né?
Exatamente! E até com isso, às vezes as pessoas ficam putas comigo porque eu tiro foto de umas coisas cabreiras e perco as escadas e elas ficam tipo “tá, mas era bem grande…” e eu penso que todo mundo viu que a pessoa deu um smith numa escada de 13, sabe? Talvez eu nunca faria isso, sem desrespeito à manobra, mas falando de foto de skate, tento pegar algum trejeito, acho que essa é a parada mais legal. Se sua mão está fazendo algo legal, quero ficar perto dela, se a história, no geral, não ficar tão legal, quem liga? A foto é boa mesmo assim!
Guy Azulay quase chutando a câmera num backside flip em LA; Foto: Matt Price
Beleza que é uma parada cultural do skate, mas sinto que as fotos de fisheye pegam as pessoas que não são skatistas também. Você vê assim também? Muita gente de fora do skate fala do seu trampo?
Sim, é verdade, a fisheye se tornou uma parada cultural para o skate, a gente tem usado essa lente mais do que tudo. Talvez a indústria da música use bastante também. Lembro de uma vez que fui viajar com o videomaker Dave Hoang, que hoje trabalha para a Element e ele tinha uma câmera no pescoço a viagem toda e ela tinha uma lente fisheye e ele não tirou a lente em nenhum momento! Ele estava tirando retratos, arquitetura, tudo de fisheye.
Lembro que eu perguntei: “você vai tirar fotos de fisheye a viagem toda?” E ele respondeu: “sim, mano, é coisa do skate!”. O jeito que ele falou isso, fiquei pensando que é verdade, que essa parada é realmente do skate, eu adorei!
Tem também a parada de ser uma fase, talvez esses fotógrafos estejam em uma fase. A fisheye é um truque pra fazer as coisas ficarem mais doidas e alguns caras querem uma parada mais clean, mais estética e tá tudo bem! Eu passei por uma fase que eu estava me passando, queria ter essa brisa de ser artista, mas depois caí na real que eu sou a porra de um skatista, não sou artista, quero que as coisas tenham cara de skate para mim, que tenham a sensação que o skate tem e a fisheye pra mim é a melhor maneira de fazer isso.
Sabe quando você dá uma manobra e não sabe bem a sensação? Seus sentimentos são tão abstratos quando você dá uma manobra… E eu sei que vai parecer cafona isso, mas os sentimentos são abstratos quando você manobra! Com a fisheye acho que os skatistas veem que é parecido com o que foi sentido na hora da manobra.
Eu quero estar mais próximo do skate, não quero ficar pensando que é truque. Foda-se, é um truque, quem liga? É um truque da hora!
Quando eu era mais novo, se eu pulasse de uma borda de meio metro, eu ia sentir que estava voando, na minha cabeça era amedrontador, parecia que estava gigante e quando eu ia olhar a imagem, eu estava só um pouco longe do chão. Se você tirasse uma foto de longe disso, ia ser triste e depressivo como realmente foi, mas na sua cabeça aquilo era gigantesco!
Com a fisheye, você consegue ver isso e ter a sensação de como foi a manobra! Não acho que é fake, porque foi o que passou pela sua cabeça. Na real, o que é o skate? A maioria das pessoas no mundo nunca conseguiriam dar um ollie pra fora da calçada, então você está fazendo algo legal! Pode não parecer tão emocionante comparado a outros skatistas, mas com a fisheye é um jeito de dar o que você merece com aquilo que você sentiu andando de skate.
Uma das razões pelas quais te chamei foi porque sinto que você é um dos caras mais entusiastas do uso da fisheye no skate do insta. Sempre lembro das suas fotos da Polar, do Dane Brady, essas coisas. Você sente essa responsabilidade de ser, de certa forma, um dos culpados por essa volta desse tipo de foto?
Ah, acho que não. Um bom exemplo, de outra forma, foi a Welcome Skateboards. Eles começaram a fazer formatos diferentes de shape, de um jeito moderno, eles não inventaram nada, tudo já foi feito, eles modernizaram e colocaram de volta na mente das pessoas que não prestavam atenção nisso. Então pra muita gente chegando, eles foram inventores ou precursores, mas isso não é verdade. Eles fizeram uma coisa muito legal que é trazer pra modernidade!
Quando falam isso do meu trabalho, eu penso que só copio o Spike Jonze e pessoas que tiravam fotos assim nos anos 90. Eu só fiz em um momento em que não tinha muita gente falando sobre isso, então acho que tive sorte. Não é como se alguém esteja sendo inspirado pela minha parada, acho que eles veem e pensam “é assim que costumavam tirar fotos lá atrás!” Acho que a partir disso vão para as pessoas que me inspiraram, Spike, as coisas da Big Brother, coisas que estão ainda influenciando muitas pessoas mais do que o meu trabalho.
Acho que dei sorte de fazer isso em um momento em que não tinha muita gente fazendo isso e eu fui incisivo na parada. Acho que por isso faz as pessoas atrelarem a como as fotos eram em um certo momento. E acho que também tive sorte porque as pessoas estão nostálgicas. Não fiz por esse motivo, talvez subconscientemente, mas é muito louco pensar que essa não era nem a minha época de skatista!
A era que cresci andando, fim dos anos 90 e começo dos 2000, tinha uma estética de fotos de paisagem, de Hasselblad, as coisas do Oliver Barton, do Atiba, do Grantt Brittain, aquela coisa crispy, cheia de elementos… Eu não consigo fazer isso! Tentei fazer por anos e fui péssimo nisso. Acho que cheguei em 80% do que queria, mas nunca consegui fazer parecer tipo as fotos do Oliver Barton!
Então quando comecei a tirar mais fotos de fisheye, mais borradas, com mais imperfeições, eu vi que sou melhor nisso! Isso me satisfaz, vi que era melhor nisso, então graças a deus que as pessoas curtem isso! É mais por necessidade, vi que não conseguia tirar fotos perfeitas e fui mais pro lado do imperfeito, então fico aliviado que as pessoas curtem isso!
Sapatos em um ollie one-foot de Reggie Colvin. Foto: Matt Price
Mas você tem trampado com fisheye pra fora também?
Tem rolado, mas isso é meio treta. Às vezes a marca me chama para fazer o que tenho feito, mas chega na sessão, o skatista não quer ter a foto daquele jeito tão perto do assunto. “Faça isso com essa pessoa”, mas se ele não curtir, então não vai funcionar, sabe? Já rolaram isso algumas vezes.
O skatista tem que tentar entender o que você está tentando fazer, é uma parada colaborativa, a gente se acerta toda hora, sabe? Se o skatista não te conhece tão bem ou não se importa tanto com aquele trampo, ele vai mandar você sair fora!
Mas pensando no meu trampo atual com a CCS, a gente vende produtos e pensando nessa lógica de querer mostrar isso, vamos supor que você é a Nike e quer vender um tênis. Você tem certo orçamento para tirar fotos de ação com o tênis e por que iria querer que o tênis fosse pequeno na foto? Beleza, não precisa ser forçado, mas dá pra ser uma coisa mais óbvia quando está tentando vender.
Você falando disso, lembro das fotos do Dane Brady da Converse.
Tenho certeza que esse tipo de foto vendeu alguns tênis! E essas fotos em particular, algumas delas tem a sensação que são eternas, porque é um tênis icônico que esteve presente todo tempo no skate. Essa foto, que ele está com um shape anos 80 e Chuck Taylors, é uma das minhas fotos preferidas de todos os tempo, porque se você mostrar pra alguém que não conhece o Dane ou a mim, dá pra pensar que é uma foto dos anos 80! Não existe marca de tempo baseado nas coisas que tem na foto. A gente teve sorte, mas ficou legal pra caralho!
Aquela do Dane Brady. Fotos: Matt Price
É como você disse antes, sobre fazer conexões com skatistas. Mas vamos falar do seu passado. Você lembra quando e onde viu a primeira foto de fisheye? Como você se sentiu?
Boa pergunta… Acho que foi uma que, no começo, não se destacou por ser uma sequência de fish, mas foi uma do Donny Barley, em uma Transworld, dando um switch hardflip na triple set de Santa Monica, foto do Atiba.
Eu não lembro o nome do processo usado, acho que foi uma parada de fazer o print preto e branco e colorir depois, sabe? Tinha um tom alaranjado nela, quase tipo um tom sépia… Enfim, tinha um visual muito da hora, era uma sequência, eu era moleque e não entendia que ele tinha pulado tudo aquilo de escada…
Depois, as coisas de fisheye que se destacaram eram as que tinham coisas que não eram o skate como destaque. Era mais olhar para a mão, para a cara, a cabeça… Tem uma foto antiga do Kyle Leeper, talvez seja uma foto do Mike O’Meally, mas era um wallride e o fotógrafo está no topo da parede, e a parada mais perto da lente era a mão e sempre pensei que isso é bem dahora! Isso é fisheye!
Foto de skate você vê todo dia, mas quando vê uma foto onde a mão ou outra coisa é o destaque, você pensa que aquilo é um efeito dahora da fisheye com certeza!
Depois tem uma foto do Spike (Jonze) do Guy Mariano quebrando o shape com uma manobra e os pedaços estão voando na foto, é quase uma parada do Salvador Dali, sabe? É uma parada bem abstrata, é legal pra caralho e o fato de ser de fisheye deixa ainda mais da hora.
O pequeno Guy, já sendo cabreiro. Foto por Spike Jonze
E realmente é melhor quando tá bem perto do assunto?
Acho que hoje em dia, mais perto é melhor! Tantas manobras já foram fotografadas, acho que não ligo tanto para as manobras nas fotos. Adoro ver imagens e ver as pessoas progredindo! Mas para as fotos, acho que não tem necessidade. Pode ser controverso, mas pra que você precisa de uma foto de alguém dando um grind numa escada de 40 degraus? Eu sei que tem uma revista gigante que tá cheia disso, mas para mim não é mais sobre isso, eu quero detalhes, quero os exageros.
Então, na maior parte das vezes, prefiro mais perto. Claro que tem exceções, mas até nelas você pode chegar mais perto da parte mais legal da imagem! Tipo você tirar uma foto num trilho e estar pertinho do final, o skatista lá no começo, é legal estar perto de algo. Por exemplo, estar no esgoto e ter um pedaço de lixo diferente e você estar perto disso, sabe? Precisa ter algo perto pra ter esse sentimento!
Você tem a Golden Hour Skateboarding, que é um impresso. Acho que as revistas hoje em dia são mais livros do que jornais, em termos de periodicidade. Como você vê o mercado de impressos nos EUA? Existe espaço ainda pro print?
Acho que tem espaço pra todo mundo, mas tem que ser um mercado menor, com alvos mais definidos… Esse é o futuro do impresso. Com certeza não está morto! Com a Golden Hour, consigo estabelecer uma quantidade mínima de pessoas que sei que vão comprar a revista. Consigo arrumar 500, mas não 5 mil, e com isso consigo saber quantas preciso fazer.
Em questão de escala, isso diminui, mas você pode fazer com mais qualidade e cobrar um pouco mais. Acho que aquela parada juggernaut de mídia gigante fazendo 250 mil cópias pode estar morta, hoje a coisa é 90% digital. Mas para o impresso, tem que ser mais focado. Para mim, gosto da ideia da revista parecer mais um livro, toda página ter uma história boa, contando um pouco sobre essas coisas.
Eu acho que ainda existe um lugar pra isso, não é o mesmo que antes, é mais sobre contar a história sobre como algo legal foi feito. Precisa ser global, contar histórias de pessoas que não são famosas. As pessoas vão usar a revista como um lugar de descoberta, não só falando sobre os top pros, porque isso tem em toda internet.
É mais sobre os Osaka Daggers, sobre os ícones undergrounds que são muito foda e que ninguém sabe sobre eles! É sobre falar sobre essas crews, contar histórias sobre elas.
A Capa da Golden Hour é um recorte de uma foto fisheye!