Por Flavio Samelo
Fotografar é fácil, basta apontar a lente da câmera para alguma coisa e apertar o botãozinho, é sussa. Mas existe um grupo de pessoas que se proclamam “fotógrafos profissionais” que supostamente deveriam fazer fotos incríveis e serem referência no assunto, porém muitos deles, na real, fazem a fotografia ser uma das coisas mais chatas e técnicas que se pode conhecer.
Por outro lado, existem uns seres errantes como Renato Custódio, também conhecido como Ned, entre outros, que além de não se limitarem ao rótulo já mencionado, experimentam extremamente esse suporte, não só a técnica mas também a parte intelectual da fotografia, o que felizmente os “profissionais” não sabem nem o significado.
Fotografando skate pelas ruas de todo o mundo, Custódio, como é conhecido, pesquisou visualmente muito sobre reflexos em espelhos e vidros nas fachadas dos prédios e a relação desse efeito com a fotografia de skate. Uma coisa meio obvia né? É verdade, porém Renato levou isso à um outro nível estético e técnico, visual e poético, o que faz desse projeto um marco na fotografia de skate no Brasil, e ao meu ponto de vista, também mundial. Conversamos um pouco com ele sobre esse delírio visual.
O que é fotografar skate pra você?
Significa sair pra conhecer pessoas, lugares e situações. Todas marcam de maneiras absurdas, experiências que só fotografando skate você vai ter. Nunca anotei vários picos em um caderninho e nem sequer cheguei perto de um cartão de visita. Skate é improviso, é fase e aprendizagem. Uma das situações mais fodas que me vem a cabeça agora foi quando estava em Israel na sessão com o Carlos Ribeiro, Mohammed e o Elja. Fomos em um pico numa área nobre de Tel-Aviv, de frente pra praia e era daqueles lugares paradisíacos que você já logo pensa: vai ser impossível andar ali! Tanto é que nossos amigos de lá já disseram que alguns já haviam tentado e nada. Segurança em Israel, falando em hebraico, já imaginou? Chegamos no pico já tentando de cara e em duas tentativas apareceu o tal. Meus amigos começaram a conversar/discutir na língua deles e fiquei vendo e tentando falar alguma coisa. Aí de repente apareceu uma advogada que se interessou no “caso” e comecei a explicar pra ela nossa parada e ela explicando pro segurança que não ia quebrar nada e parari-parara. Resultado: deixei um relógio-caução pra garantir que tudo iria ficar intacto e fizemos um dos nollie heel into bank mais difícil e bonito que já fotografei.
Qual a sua opinião da fotografia de skate nas revistas de skate nacionais e internacionais?
Acho que o “feijão com arroz” está começando a cansar. Estão parecendo todas iguais com suas diferenças de nível de skate e picos. Falta experimentalismo e deixarem de lado um pouco os dois flashs e etc. Não estou fora desse circuito não, por favor. Não quero ser hipócrita e sair falando que faço as coisas diferentes. Tenho dois flashs na mochila e já usei até cinco. Porém as coisas acontecem natural, valorizando as referencias e amigos inteligentes. Absorver o que as pessoas que experimentam algo diferente como um auto-retrato do Fabiano Rodrigues “Lokinho” ou uma foto do Pedro Wolf na última Vista. Acho que aos poucos tem aparecido coisas interessantes visualmente falando, mas o conceito editorial das manobras ainda está cravado.
O que um fotógrafo de skate deve pensar quando vai fotografar, na sua opinião?
Ter paciência e sair com skatistas que lhe agradam. Se a coisa ta chata e tensa, vai ser refletido na fotografia. Nem tudo é um mar de rosas, mas é bom esquecer a obrigação e deixar a sessão rolar sem pressão.
De onde veio essa ideia das fotos dos reflexos?
Quando estava fazendo faculdade um professor falava sempre de como é horrível essa arquitetura moderna cheia de espelhos e a maneira que ela nos separa de dentro pra fora do prédio. Ou seja, quem esta lá dentro vê quem está fora e quem esta fora não consegue olhar pra dentro. Ta injusto né? E outra coisa que me chamou a atenção foi uma tese do skatista Ocean Howel que aborda o espaço público/privado e faz uma reflexão muito legal do aproveitamento deles. Mas é claro que não foi a partir disso que tive a ideia, fiz a primeira foto de reflexo justamente por causa de um recado numa portaria de um prédio no Pais Vasco “perdido gato negro con la panza blanca…”. Aí depois disso já estava muito afim de fazer umas fotos de skate mais autorais. Tinha o trabalho do Helge Tscharn como uma puta referencia em fotos de skate com a arquitetura em destaque. Quis fazer algo aqui explorando a arquitetura do Oscar Niemeyer e outros arquitetos brasileiros e fui duramente criticado por um alemão amigo dele dizendo que estava copiando ele. Nem era isso, mas de qualquer maneira pensei duas vezes e concordei com o mano. Isso me ajudou a clarear esse ensaio sobre reflexos que vai um pouco mais além do que a própria arquitetura tem a dizer.
A quanto tempo você produzindo essas imagens?
Dois anos e meio.
O que fazia você escolher o pico e o skatista para essas imagens?
A escolha era a partir da onde estava e com quem estava. Sem muitos planos e muito mais livre nesse sentido. Acho que sai três vezes de casa no intuito de captar essas imagens. É muito mais o lance de estar no lugar certo com a pessoa certa.
Depois de ter pensado na imagem, ter feito a foto, pensado no shape e no livro, também na exposição, o que mais vem por ai sobre o projeto?
Vou expor em alguns lugares junto com a equipe da Agacê pra divulgar mais o shape e outros models da marca. Nada certo ainda. Mas também fiz o livro com tradução em inglês para se puder rolar algo lá pra fora. Mas acho que não vai rolar nada, se rolar rolou. Vai saber…
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http://www.flickr.com/photos/renatocustodio/
Entrevista publicada na edição #44 da VISTA.