Lentes fisheye e sua importância no mundo da fotografia de skate

Publicado em 26/04/2022

Por Filipe Maia

Como um acessório da fotografia se tornou um aliado importantíssimo do skate mundial, conseguindo retratar de forma fiel a prática, inserindo espectadores na ação e passando a sensação de andar de skate.

 

Skateboard e fotografia andam lado a lado desde quando o skate é skate. Seja pela forma de captar o que estava acontecendo nas épocas ou pelo simples fato de registrar manobras, as fotos são aliadas da história do skate e carregam a responsabilidade de ilustrar acontecimentos dessa atividade que, se pararmos para pensar, é nova, já que tem menos de 70 anos. 

As primeiras fotos de skate que trouxeram uma perspectiva diferente do que poderia ser feito, não vieram, necessariamente, em uma revista de skate, mas sim na norte-americana LIFE Magazine, em uma capa icônica de Patty Mcgee, fotografada por Bill Eppridge. 

Bill foi um dos primeiros fotógrafos a registrar o skate americano, como podemos ver na página desta edição de 14 de maio de 1965 da LIFE. Mas apesar do pioneirismo, a gente só iria ver o uso das fisheyes, o assunto desse artigo, só mais tarde com fotógrafos que já estavam inseridos na cultura do skate, sendo skatistas, amigos de skatistas e afins. 

Mas antes da gente falar do skate inserido na fotografia, é importante que a gente fale da lente que estamos abordando aqui. Então, senta que lá vem história.

A fisheye é realmente uma lente pra ver como um peixe
Em 1906, o físico Robert W. Wood queria saber como os peixes enxergavam o mundo com seus olhos saltados. Então ele criou uma máquina com um balde cheio de água, uma câmera pinhole, um espelho e muita luz, fazendo com que se pudesse ter uma noção daquilo que ele estava querendo descobrir. 


Essa é a crew do Robert Wood, numa das primeiras fotos fisheye de todas. 

Depois dessa ideia do Wood, a galera de meteorologia e astrologia foram as que mais contribuíram para a criação de lentes que enxergavam em 180º ou mais. Em 1935, inventores alemães foram os primeiros a patentear uma lente que simulava mais ou menos esse efeito sem precisar de toda parafernalha do Robert Wood, pra depois vender para a japonesa Nikon. Em 1957, então, nascia a primeira lente 180º da marca, que só ia para as prateleiras 5 anos depois, se tornando, finalmente, um ícone: a Fisheye-Nikkor 1:8.

Sim, essa lente custava 27 mil dólares em 1957.

A lente, que vale lembrar, não era tão cara assim quando foi feita para o uso do público, logo se tornou bastante popular, fotografando toda e qualquer espécie de evento. Isso eram os anos 60, então é fácil achar fotos de protestos, shows, eventos esportivos, todos com essa lente. Não demoraria muito para ela estar no skate também. 


Essa é uma selfie de 1966 de George Harrison e ele usou uma fisheye pra isso.

Por que usar esse raio dessa lente no skate?
Se o skate sempre foi uma parada plástica e que precisava da imagem para ser narrado, porque então usar uma lente que entrava no assunto e não dava uma perspectiva tão grande do que estava sendo abordado?

Segundo o fotógrafo Alê Urch, a ideia da fisheye é de que “ela coloca o espectador dentro daquele universo”. Ainda para ele, essa é a lente ideal para capturar a cultura do skate porque ela “pega detalhes do skatista, do pico, da roupa e, principalmente, do estilo”. 

Se liga no que ele diz sobre o assunto: 

“Para usar essa lente, você tem que manjar do assunto ou ser curioso o suficiente para colar sua cara no assunto e tirar algo dali. A sensação da manobra vem de ouvir o barulho, ouvir ela acontecendo. Uma lente que te permite vivenciar aquilo que está fotografando.

Fotografando, a gente é um conjunto das nossas experiências. Você não pode falar ‘não’ para fotógrafo. Claro que seu cliente te dá o briefing e você tem que seguir, mas quando faz fotos ‘criativas’, você tem que ser livre para usar o que quiser. 

Mas existe um certo espaço para ela porque é um tipo de fotografia que não existe outra forma de fazer! Essa parada de colocar o espectador na ação, é só com uma fisheye, não tem jeito.”

Fisheyes no Skate nos Estados Unidos 
Talvez não exista uma reposta certa de quem foi a primeira pessoa no skate a documentar manobras com lentes fisheye, mas certamente existem os primeiros. Um deles é Craig Stecyk, icônico participante da crew de Dogtown, que registrava os Z-Boys de várias maneiras. Uma delas, usando as lente grande angulares, como essa:

Depois, Gabe Morford, Glenn E Friedmann e Grant Brittain, com quem a gente bateu um papo FODA aqui na VISTA, foram fotógrafos que se destacaram no cenário do skate, estampando várias revistas do segmento e usando diversos tipos de equipamentos em seus trabalhos. 

Os anos vão passando e as fotos fisheye vão se tornando cada vez mais presentes e na cultura do skate. Com a adição dos vídeos nessa equação, o formato do olho de peixe se torna o aliado das imagens do skate em movimento, acompanhando linhas e fazendo skatistas serem retratados de corpo inteiro quando dão uma manobra em qualquer pico. 

Outro uso bastante comum de fotos fisheye eram nas revistas, nos departamentos sequenciais, em que mostravam uma manobra em todos os seus frames, não só em um moment. Se você é mais velho ou mais velha e lembra de acompanhar as grandes revistas brasileiras, todas tinham alguma seção ou anúncios com essas sequências em olho de peixe. 

Recentemente a gente trocou ideia com o Matt Price, fotógrafo dos EUA que usa bastante essa lente em seus trampos. Leia na íntegra a matéria clicando aqui. 

Fotos fisheye no skate brasileiro
No Brasil, com o skate ganhando força na década de 70, surgiam algumas revistas especializadas que traziam fotos e fatos do que rolava nesse mundo. A Revista POP foi a primeira que, de fato, falou de skate nas suas páginas, mostrando uma cultura jovem nova que estava surgindo, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo. 

Mas foi só com a Esqueite, em 1977, que tivemos a primeira revista especializada. Depois, vieram a Brasil Skate, Overall e muitas outras, que além de contar a nossa história, mostrava em fotos o que acontecia na época. Ah, e já em 1978, uma capa com Bruno Brown, tinha seus ângulos aumentados por uma lente que fazia esse trabalho. Era a segunda edição da Brasil Skate e já podíamos ver uma distorção diferente das fotos anteriores: 

Essa foto acima, do Nilton Barboza, foi, provavelmente, a primeira capa com grande angular no skate brasileiro. Falando com o editor e jornalista Fábio Bolota, ele comenta que o “Nilton foi um dos precursores por aqui, porque era uma lente bem difícil de ter”. O mais louco disso tudo é que, ao adentrar nas matérias da edição em que ela foi impressa, existe esse editorial falando de fotografia e já aqui se falava das lentes grande angulares: 

“Devido a curta distância que o fotógrafo pode ficar da manobra, seria aconselhável o uso de uma lente grande angular entre 16mm e 35mm, porque além de aumentar o campo de visão e fotografar com uma velocidade mais altas do que as lentes normais, o fotógrafo obterá também o fundo em foco, o qual poderá dar mais beleza e definição às fotos”. 

Nessa época também Fábio Bolota lembra do Jornal do Skate, feito pelo editor Sergio Muniz e que era distribuído gratuitamente se tornando quase que um portfólio do skate que estava acontecendo no Rio de Janeiro no fim dos anos 70. “Ali era total referência”, segundo ele. 

 

Mas mesmo sendo bastante utilizada no skate, eram poucas as pessoas que tinham a lente e ainda menor o número de pessoas botando-a em prática nas suas atividades profissionais. O Bolota comenta que o “o skate foi pioneiro no uso dessa lente, porque o jornalismo não curtia muito; o esporte começou a usar a fish depois, mas foi o skate que foi o primeiro, porque através dele descobriram que estar perto do momento era mais alucinante”.

A galera dos anos 70, foi a pioneira em vários sentidos no skate brasileiro e com as fotos de fisheye não ia ser diferente. Segundo o fotógrafo Flávio Samelo, “os fotógrafos dos anos 70 foram influenciados pela música, pelas capas de álbum que tinham as fotos com essa lente, por essa experimentação e também pela influência do que estava acontecendo no skate dos Estados Unidos”. De fato, além da prática da atividade, os brasileiros que estavam importando o skate, traziam revistas, vídeos, roupas e até músicas e trejeitos que os americanos tinham ao andar de skate. 

Nas décadas seguintes, mais revistas brasileiras foram surgindo e outros fotógrafos foram utilizando as lentes grande angulares. Daniel Burqui, Ana Paula Negrão e Alê Urch são apenas alguns dos vários nomes de pessoas que utilizaram dessas lentes para estampar as revistas brasileiras. 


Street Skate e fisheye em alta na Overall. Foto: Fábio Bolota

Ainda no papo com o Samelo, ele conta uma história muito doida de como ele conheceu a fisheye. Detalhe que o Samelo fotografa desde o fim dos anos 80, então já viu MUITA coisa nesse skate brasileiro de meu deus: 

“O Anderson Tuca é meu amigo desde 1982, por aí, e essa época ele filmava os campeonatos com uma câmera VHS que tinha uma fisheye rosqueada na frente, de uma forma bem tosca, mas eu achava aquilo muito louco, porque imitava os vídeos gringos que a gente via na época.

Um dia ele catou uma câmera dessas point’n’shoot, dessas automáticas, e colocou a mesma lente que estava na filmadora, na fotográfica e tirou fotos do campeonato com ela, meio que de zoeira. Seis meses depois, revelou as fotos e me mostrou. A hora que vi aquilo, fiquei maluco! 

Fisheye para mim era um bagulho de filmadora, não tinha essa ideia que tem hoje. Fui atrás, porque não era só pegar uma lente fisheye, tinha que fazer um anel torneado para acoplar a lente na câmera, era uma merda. Uma lente em cima de outra lente, com duas perspectivas, era uma merda. As fotos eram horríveis, foi um ano e meio de caos usando essa gambiarra!”

Fisheyes brasileiras hoje, com redes sociais em alta
Com a internet e com as redes sociais, as fotos foram perdendo espaço para os vídeos. O Youtube se tornou uma das maiores plataformas sociais de todas, incentivando o usuário a fazer mais vídeos do que fotos. Isso também se viu em outras redes como Instagram e, mais tarde, com o TikTok, que sendo uma plataforma de vídeos, forçou seu concorrente instagramável a ir pelo caminho do movimento ao invés do estático das fotos. 

O que rola nessas redes sociais é que até fotógrafos têm que usar suas habilidades em vídeo para mostrarem seus trabalhos de forma didática, a fim de incorporar seu trampo no novo esquema. Tipo esse vídeo do Thomas Teixeira, o Toddy, que explica em vídeo como a foto foi tirada.

Porém, ultimamente, o que tem se notado nas publicações de skate é uma volta desse espaço de mais engajamento para as fotos, bastante impulsionado pelas fotografias de formato fisheye. 

O Instagram nasceu em 2010, com o intuito de ser uma rede social de compartilhamento de fotos e, por muito tempo, era só isso mesmo. Depois vieram os vídeos, os stories, tudo isso muito na necessidade de estar pau a pau com os concorrentes que tinham essa premissa de vídeos bem forte, acompanhando a evolução dos aparelhos celulares que, cada vez mais, tinham câmeras melhores, e assim o Instagram foi caminhando para um lado em que as fotos se tornaram secundárias e as imagens em movimento eram o centro do app.

Paralelamente a isso, o skate vivia um período de bastante trampo para videomakers e fotógrafos, com o mercado core em alta e grandes produções fazendo seus trampos. No começo dos anos 10 do século XXI, não era tão claro o futuro do impresso e as revistas brasileiras e gringas tinham certa força, por isso era mais comum ver as fotos de skate nelas do que nas redes sociais que estavam começando a surgir.

Falar sobre esses dois fatos na sequência não foi sem querer, uma vez que, com o Instagram ganhando mais força e sendo a maior plataforma de compartilhamento de fotos e vídeos de todas, todo o resto foi atingido, até mesmo as revistas de skate que tinham anos de história. Então pensar nisso é uma forma de não ficar espantado ao lembrar que não existe nenhuma revista de skate em circulação periódica aqui no Brasil atualmente (nem nós fazemos isso mais) mas, em contrapartida, essas mídias trabalham diariamente para ter seu insta ativo. 

Mas no skate, um tipo de foto vem sendo exaltada novamente, principalmente nessa rede social do Zuckerberg. São as fotos fisheye, tão comuns no cotidiano do skatista que chegam a ser atreladas ao skate até quando o assunto não é esse. Tem páginas, fotógrafos que vivem delas, projetos paralelos e muito mais. 

A gente trocou ideia duas pessoas que são grandes responsáveis e entusiastas desse culto à essas fotos com bordas distorcidas: o fotógrafo Allan Carvalho, que além de ser um dos mais ativos do skate brasileiro e ser do staff da Revista CemporcentoSKATE, é o cara por trás do perfil @fisheyeskt que, bom, não precisa explicar sobre o que se trata, né?

E também o Alexandre Calcina, um mano multitarefas que trampa com a gente aqui na VISTA e que tem projetos muito legais no Instagram. Um deles é o @depertinho_ que tira fotos fisheye de várias pessoas andando de skate, exaltando os detalhes de cada manobra.

Allan Carvalho e o @fisheyeskt
O Bam, como é conhecido o Allan Carvalho, é um dos fotógrafos mais ativos do skate brasileiro atual. Com diversas capas, matérias e trampos para a CemporcentoSKATE e para várias marcas, ele é um dos caras que leva a fotografia de skate adiante. 

Ele também é um apaixonado pelas fotos fisheye e tem até uma página dedicada a isso no insta, a @fisheyeskt. Para ele “o objetivo é ser uma página de estudo onde eu posto fotos vários fotógrafos do mundo todo, com o intuito dos fotógrafo e os skatistas terem referências ali, isso me ajudou muito e pode ajudar outras pessoas também a evoluir.”

Yuri Amaro pela fisheye do Bam

O Bam diz que não é bem um comeback se olharmos só para o carrinho, já que “as fotos de fisheye nunca foram deixadas de lado no skate”. A última capa da Revista CemporcentoSKATE, por exemplo, é dele e tem uma foto de grande angular. Ele diz que “A foto foi feita com uma fisheye 15mm que eu uso em uma canon 5d mark2 fullframe, eu escolhi essa estética por conta de ser um Boneless, uma manobra muito expressiva quando se clica no momento onde o pé da frente fica esticado, achei que ficaria bom pegar esse momento mais de perto, mesmo o pico sendo grande.”

F/S Boneless do Jonny Gasparotto na última Cem. Foto: Allan Carvalho

Alê Calcina e o @depertinho_
Outro projeto de fotografia que tem colocado o skatista em primeiro plano e alongado as bordas das fotos é o @depertinho_, do Alexandre Calcina. Segundo o Alê, “a fisheye traz na foto o que a gente tem de tesão vendo um vídeo de skate, porque tá grudado.”

Conversando, ele comenta sobre os ciclos de tendência no skate e diz que isso pode ser visto também na fotografia, por isso a fisheye tem seu momento forte agora: 

“Eu acho que tudo que vivemos é cíclico. Na moda, a gente viu voltar os anos 80 nos anos 2000, até surgiram bandas inspiradas nessa cultura. Nos anos 2010, a gente viu a volta do glitch dos anos 90, de fita miniDV, roupas, calça jeans, galera mais grunge. A própria volta em alta dos Chuck Taylors da Converse é uma prova disso, porque o tênis ganhou popularidade nos anos 90 e agora a gente vê tudo isso de novo!”


Gui Silva e o SS Japan Air, na primeira sessão que o Alê fez para o projeto

A fisheye é atrelada ao skate também como forma de identificação de tribo. Como aquele símbolo que não morre ou aquela sensação que os praticantes sempre buscam ao estarem no limite da ação, a fisheye consegue capturar e estar presente também no lado não-palpável da coisa, como o Alexandre comenta: 

Com as fotos fisheye eu vejo da mesma maneira, a galera cansou das tendências antigas. O meu sentimento quando eu faço o projeto DePertinho é exatamente esse: quanto mais ação eu tiver na imagem, mais eu vou conseguir fazer o cara até talvez ouvir o barulho, sentir o que ele fez, o eixo deslizando, a borda carcomida, tudo. Passar todos os detalhes daquela fração de segundo que vicia todos nós por andar de skate. 

A gente se mata anos para dar uma manobra que dura uma fração de segundos, sabe? Então acho que está ligado a isso tudo, o movimento cíclico das coisas e a sensação. Quando todo mundo se encher da fisheye, vem outro movimento e toma conta também.”

Já sabe então: quer fotografar skate estando próximo do seu assunto e dando a sensação da manobra para o seu público? Com a fisheye você já tem meio caminho andado.